Porque Reiki deve ser Reiki – o respeito pela liberdade de cada um
Quando achamos que o problema do reconhecimento do Reiki como terapia complementar vem da parte dos profissionais de saúde ou da igreja, temos que ter antes uma visão mais próxima da causa e não dos efeitos desta questão no reconhecimento. Talvez a verdadeira questão não esteja em quem observa mas em quem pratica e ensina.
Todos praticamos Reiki à nossa maneira e não acredito que exista um “Reiki” melhor que outro “Reiki” ou um praticante mais capaz que outro. Partir de um pressuposto desse seria ir contra os princípios do Reiki e a própria base que o Mestre Usui nos ensina – a prática para a elevação da consciência, para atingir a iluminação.
A prática de Reiki não requer pressupostos, isso mesmo diz o próprio Mestre Usui no seu Manual. Não temos que ter uma determinada tendência espiritual ou mental, não precisamos ser afiliados de qualquer crença. Reiki é energia, está em todo o lado e todos a conseguem perceber, por isso tem um alcance tão grande.
Se Reiki é energia, se chega a todos, então por que surgem as crenças pessoais misturadas na prática?
Para nos apercebermos da energia, temos que ter consciência de nós mesmos, do nosso interior. Para alguns isso é algo que se atinge meramente com o despertar interior da consciência – esvaziar a mente, atenção plena, mindfulness. É um processo de consciência.
Para outros, há que haver uma ligação com o divino, com o universo, porque algo que vem de fora para dentro poderá ser bom ou mau e somente um conceito como uma ligação a fonte segura é que poderá representar o “Reiki” como energia positiva. São crenças.
Quando o Mestre de Reiki tem este tipo de ligação com a energia, naturalmente poderá transmitir aquilo que acredita aos seus alunos. Faz parte. Se pensarmos um pouco, até o mesmo acontece nas ciências exactas, quando um professor incita o aluno a ir além do que são as leis da física actuais, ou os conhecimentos do corpo e da mente. Portanto, em todos os sectores da aprendizagem temos abordagens pessoais mesmo dentro daquilo que nos parece racional. A criatividade está em todos.
Se o Mestre de Reiki apenas consegue passar um ensinamento sobre a energia baseado nas suas crenças, levando o aluno a acreditar que Reiki é ver espíritos, guias, mestres ascensos, que para se fazer Reiki tem que se estar todo de branco, usar pêndulos ou cristais, que para que o Reiki funcione se tenha que falar com alguém “lá em cima”, pedir a Jesus ou a buda, então podemos estar muito longe de conseguir trazer o Reiki a Portugal como uma prática para todos, simples, terapeuticamente credível e válida.
Vamos imaginar que temos um aluno que é muçulmano e que o Mestre lhe diz que para o Reiki funcionar tem que comunicar com os “mestres ascensos”, que precisa usar cruzes para se proteger, que as suas mãos serão guiadas por guias de luz. O que é isto?
Não é errado uma pessoa, um Mestre ter as suas próprias crenças e usá-las, não é errado de todo. A questão está quando passa as suas crenças como sendo o que é o Reiki, aí sim estará a influenciar o aluno e as pessoas que também estão próximas do aluno, ele irá dizer que Reiki é isso.
Falo por mim, se me dissessem quando aprendi Reiki que tinha que invocar isto ou aquilo, não teria aprendido.
Do oriente para o ocidente, o que aconteceu com o Reiki
No Japão sabemos que as práticas budistas e xintoístas são muito próximas das pessoas, cada vez menos é claro, pela influência ocidental e pela modernização mas, nos finais do séc XIX, inícios do séc XX temos até Imperadores deificados, com uma profunda base xintoísta para validar essa importância. Sabemos que o Reiki tem fortes componentes culturais, desde os símbolos aos princípios, desde as técnicas à reflexão com os poemas do Imperador. Mas, não vemos em lado algum que para praticar Reiki se deviam invocar Kami ou Buda. Reiki, apenas Reiki.
Quando o Reiki veio para o ocidente, através da Mestre Takata, começamos a ter uma presença mais forte das crenças pessoais – a Mestre Takata muitas vezes falava do divino e de como Reiki era uma energia divina. Nos Estados Unidos, houve ainda o efeito New Age dos anos 70, exactamente a época em que começou a proliferar o Reiki, além da forte influência cristã protestante e católica. O Reiki passou ainda pelo Brasil, com um ecletismo riquíssimo na espiritualidade. Chega a Portugal e adapta-se às crenças de cada um. Uns optam pela sua vertente de crenças religiosas, outros por crenças espirituais. Sendo Portugal um país ainda muito limitado em abertura de horizontes, muitas práticas de cura natural, de medicina natural, são consideradas bruxaria. São os frutos de uma sociedade fortemente enraizada na crença católica que ainda hoje tem o seu peso na política e na sociedade.
Vemos que o que é simples está também dependente das crenças de cada um e das suas interpretações. Isso é muito natural. O mesmo acontece, por exemplo, em disciplinas como a Filosofia e a Psicologia. Seguem-se as bases mas depois há todo um caminho próprio, uma interpretação que apesar de ser “objectiva” requer muito de subjectividade. A dimensão do homem, mente e coração, está mais interligada do que aquilo que aceitamos.
O que são crenças
Para uma pessoa, a crença é a sua premissa de que algo é verdadeiro, é um estado psicológico que se reflecte no seu corpo e mente. Uma crença pode originar doenças psicossomáticas ou a cura de uma doença. A crença não está unicamente associada à religião ou espiritualidade, pode também ser encontrada na psicologia, por exemplo, no conceito de auto-suficiência.
São muitas as crenças que se envolvem no ensino de Reiki, talvez a mais importante seja a espiritual. Assume-se que Reiki é uma prática espiritual, sem se perceber bem o que é espiritual ou o que é espírito. Tipicamente português, raramente há concordância com algo. Para uns, aquilo que define o seu ser é essência, para outros espírito, para outros alma, para outros, nada disto, apenas mente. A crença do espiritual pode ser apontada no Reiki como algo que nos diz que todos somos um ser além deste corpo, que todos estamos interligados, que a energia flui por todos, que a mesma é comum no universo e que a todos dá equilíbrio e vida. Esta crença pode ir ainda mais longe, envolvendo os conceitos metafísicos de seres espirituais, ascensos, etc… E, creio, que é nesta segunda parte que devemos criar uma divisão muito clara.
Na prática de Reiki todos acabam por adquirir uma maior consciência de si mesmos. O sentir da energia leva a novos conceitos que em nada estão desligados da razão. Para quem é muito racional, Reiki traz a componente emocional, para quem tem a mente dispersa, Reiki traz a meditação e a atenção plena. Para a energia fluir, basta estarmos sintonizados, em harmonia, mente e coração e tudo acontece. A energia flui para onde é mais necessária.
Shunryu Suzuki, o autor de Zen Mind, Beguiner’s Mind dizia – Quando observas os princípios sem tentar observar os princípios, então verdadeiramente observas os princípios.” Quando tentamos compreender algo sem colocarmos os nossos filtros e crenças, tudo se torna mais fácil de compreender.
Recentemente tive que publicar um esclarecimento sobre Reiki é invocar demónios com sinais japoneses, um folheto de origem espanhola que começou a circular por algumas paróquias. As questões colocadas por esse folhetim são claramente distorcidas da realidade comum da prática de Reiki mas, não são tão afastadas quanto isso em algumas práticas também ditas de Reiki. Quando alguém que se intitula de Mestre de Reiki promove a sua pessoa como “Mestre”, logo objecto de uma quase veneração, mistura crendices, orações e espíritos/entidades, é natural que tudo se torne objecto de ridículo e desconfiança. Como se pode argumentar com segurança se por um lado uns querem construir esclarecimento e outros tão facilmente o destroem com irresponsabilidade e muito ego?
São muitas as vezes que tenho que juntar argumentos para defender algum projecto de Reiki de acusações onde baseiam em estudos científicos ou crenças religiosas para nos chamarem de burlões, patetas, entre outros adjectivos. Cabe muito ao praticante de Reiki, ao Mestre de Reiki, perceber porque está no Reiki, o que quer fazer, ensinar e porquê. Não se pode apanhar a boleia de algo que está a ser mais conhecido para tirar proveito disso, embrulhando as suas crenças em algo que diga ser Reiki. Assim, estamos hoje povoados de imensos sistemas de Reiki, que têm muito de muita coisa e algo que talvez seja Reiki mas que no entanto são muito mais poderosos que os outros que já existiam. Estamos também povoados de cursos à pressão, alguns gratuitos em hotéis que num mês formam mestres e terapeutas, sem nunca terem praticado. Há que haver uma reflexão profunda sobre tudo isto.
Se quiserem que o Reiki continue a ser uma prática contestada, duvidada, que continuem a chamar os seus praticantes de desequilibrados, burlões, entre outros adjectivos, então é de continuar como se está. Tentem pensar que o Reiki está um pouco além das vossas próprias crenças e que não deve ser limitado por elas. Que Reiki não é apenas ensinado na vossa escola, nem só praticado por alguns alunos. Das Ilhas Maurícias ao Líbano, de Israel aos Estados Unidos, Reiki está em todo o lado. Há países onde existe uma compreensão social para estas práticas, há outros como Portugal, em que tal não acontece.
Outra crença que também cria sempre confusão – cobrar ou não cobrar. Para quem tem o conceito de que Reiki é divino e como tal não deve ser cobrado, vamos ver que pensar também é algo divino mas que nem por isso deixamos de querer receber ordenado pelo uso das nossas faculdades mentais. São estas divergências, baseadas em crenças, que também muitas vezes fazem dar tiros nos pés. Praticantes divididos, uns a falar mal dos outros, sentimentalismos exacerbados, egos insuflados mas com ar de humildade, tornam muito difícil um trabalho de esclarecimento.
O respeito pela liberdade de cada um
Reiki é para todos e isso é muito claro nas palavras da Mestre Takata – Reiki está disponível para quem o procura. Se assim é, então temos que ensinar e praticar Reiki como ele é. Se estamos no nosso ambiente próprio, usamos as nossas crenças; se estamos com pessoas que comungam das nossas crenças, também praticamos dessa forma mas, precisamos também compreender onde está a nossa fronteira e onde começa a fronteira do outro. O respeito pela liberdade de cada um é importante. A nossa liberdade faz fronteira com a liberdade do outro e só o respeito nos pode unir.
Recomendações
Estas recomendações são muito simples e não são um atentado à liberdade de opinião, crença e expressão de cada um. Interpretem antes como algo que podemos todos nos esforçar para alcançar se queremos chegar ao quinto princípio – só por hoje, sou bondoso. Ensina Reiki como sentes mas, tenta também compreender e aceitar o outro, não empurrando crenças.
- Tentem compreender a ideia e crenças dos vossos alunos;
- Expliquem as vossas crenças e porque as associam ao Reiki;
- Coloquem de uma forma clara o que é Reiki e o que são os vossos pressupostos e ensinamentos.
É muito complicado ouvir alguém dizer que foi para o Reiki e de repente acha que está a fazer mal ou que está com maus espíritos, etc, porque o seu Mestre disse. Reiki é simples, é um caminho para a felicidade, ajuda-nos no nosso percurso terapêutico para a cura. O nosso crescimento com Reiki é incrível e a ajuda que podemos dar também. Está nas nossas mãos e nosso coração. Cada um de nós representa o Reiki, é o rosto do Reiki.
2 comentários
angela vescovi
Exelente artigo. Bem imparcial com o Reiki e as demais tradições. O que é muito usual são as pessoas misturarem as tradições, e como se diz aqui no Brasil fazer um “misturetê”! O praticante deve ter respeito à energia da tradição pois representa a energia de todos os mestres dos mesmos. O respeito também ao cliente que se foi receber Reiki, deve receber apenas esta energia. Namastê!
Cidália Abreu
Tomara que este texto chegue essencialmente a todos os praticantes de Reiki. Mais uma vez grata João pelo teu trabalho de esclarecimento e defesa do Reiki